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sábado, 20 de janeiro de 2018

umbigo

Antigamente, mas nem tão antigamente assim, era costume enterrar o umbigo assim que ele desgrudava do corpinho dos bebês.
Era uma tradição. A maioria era enterrado aos pés de uma planta. Algo comum, sem muita explicação. O meu certamente foi enterrado em alguma roseira, era comum dar esse destino ao umbigo das meninas, deu certo, as vezes sou o espinho, as vezes sou a rosa. Brincadeiras a parte, sempre achei curioso esse hábito, um pouco romântico e um pouco bizarro. Não sei definir... mas, vida que segue...
Toda vez que vou a Minas Gerais e visito o Campo das vertentes, sinto uma ligação forte, uma atração, um deslumbre... sempre digo que meu umbigo está ali, cravado na serra de São José, entre Tiradentes e Prados. Obviamente não está, mas eu gosto de pensar que sim, pois ali estão muitos dos meus bons momentos da vida. Talvez porque inevitavelmente eu encontre raízes por lá. Mineirices, entrelaços e algo que não sei mencionar mas consigo sentir, talvez a simplicidade da vida tecida nos teares que tantas coisas fazem e me encantam.
Talvez a vida seja mesmo esse entrelaço de emoções, razões, raízes e asas. É como um ritual, a vida recomeça a partir desse encontro, essa sinestesia, essa vibração de sentir que por mais caminhos que a gente possa percorrer, nossos pés sempre voltam para onde está nosso umbigo. No meu caso, em terras mineiras. A ligação é eterna!

Pitanga

As lembranças mais doces que tenho da infância me remetem aos pés de frutas que as avós cultivavam em seus quintas. Tinha de um a tudo. "Maçãzinha" da vovó, laranja, ameixas, limão, goiaba, cidra, uva, romã, cana, morango, acerola, pitanga e muitas outras árvores aromáticas, belas e de frutos saborosos.
Aprendi, sem me dizerem nenhuma palavra (pois é próprio dos avós ensinarem em silêncio), que a doçura da fruta vem depois de longo cultivo, como tudo na vida: só da pra colher o que é plantado. E há que se ter paciência com as plantas, os frutos apenas chegam na época certa.
E foi assim com o pé de pitanga da vovó. Um trabalho que lhe dava alegria, plantar, regar, adubar, tirar as pragas e esperar, por fim, pelas pitangas. Mas o melhor mesmo era ir colher as pitangas, havia amor no gesto, havia carinho e havia a nossa expectativa. Eu amava as pitangas e amava todas as outras frutas que tinha nas hortas das duas bisas*.
Por uma dessas voltas que o mundo dá, as plantas foram diminuindo, os frutos também e as colheitas deixaram de existir, assim como a presença das bisas. Digo materialmente, porque emocionalmente elas (as bisas) continuam vivas em nossos corações e as colheitas são feitas nas lembranças a cada temporada. E seria época de férias, um tempo delicioso onde as energias são recarregadas e os sorrisos ganham um estoque de bons motivos para voltarem aos nossos rostos. Mas, o pé de pitanga não está mais lá... Como muitos outros não estão, mais um pra coleção de lembranças emocionais e olfativas (sim, nada me lembra mais as "coisas" do que o cheiro).
Como a vida também traz gratas surpresas, eis que, de repente, ganhei um pilão de madeira, desses que a gente usa pra fazer tempero. Papai me entregou dizendo: "seu tio** fez pra você. É a madeira do pé de pitanga da sua avó, agora você terá um pedaço dele em casa". Sim, eu ganhei mais um motivo para sorrir cada vez que chego na minha cozinha: agora tenho uma doce lembrança lá!

*Bisa é como as Chicas chamavam as minhas avós, bisavós delas
**Tio Rominho, que agora dedica suas horas de aposentadoria a fazer pilões, taças, copinhos de madeira